27/08/2023

Os cavaleiros do apocalipse


Não acredite em falsos profetas

a cada otário que nasce

um pastor novo o prega 





OBS: infelizmente não encontrei o autor das caricaturas, para postar o crédito aqui.

04/01/2023

A mítica camisa 10


Com a morte do Rei Pelé, o maior jogar de futebol de todos os tempos, atleta do século, veio à tona um assunto que já foi sugerido tempos atrás: a aposentadoria da camisa 10, no time do Santos FC. Talvez até na seleção brasileira, defendem alguns. Mas vamos refletir sobre história, conquistas e reconhecimento.

Sabemos que no Brasil não se valoriza a história. O brasileiro, em sua maioria, não conhece sobre a própria história, não preserva a memória sobre o país, não preserva seu patrimônio histórico: literatura, memorabilia, prédios, personalidades, etc, nada é preservado por aqui. Inclusive ainda acreditamos que o que vem de fora é melhor. O vira-lata caramelo que há dentro de nós parece que sempre late mais alto.

O número 10 no futebol, antes do Pelé, era apenas um número. Ele mesmo jogou profissionalmente primeiro com a 13, depois com a 9 e finalmente com a 10 que, depois de Pelé, virou a mítica camisa 10. Todo mundo sabe que em qualquer time de qualquer lugar do planeta, quem ostenta o número 10 é o craque ou, pelo menos, é o melhor do time, o “diferente”. Quem inventou isso foi Pelé e o fez dentro de campo, jogando de maneira única. O chamado “gol de placa”, a comemoração com o soco no ar, o “gol que o Pelé não fez”, os dribles… Pelé reinventou o futebol. Num país que não valoriza sua história, até desdenha dela, aposentar esse símbolo de maestria, que levou anos para ser construído e difundido mundo a fora, é o primeiro passo para começar a esquecê-lo.

A primeira vez que o Pelé foi chamado de rei, foi por um jornal francês. Um reconhecimento estrangeiro de um jovem negro de um país desconhecido e subdesenvolvido, mas jovem esse que era incomparável em sua profissão. Se esperasse que o Brasil reconhecesse isso, morreria plebeu. Depois de uma pesquisa feita com jornalistas esportivos do mundo inteiro, os estadunidenses o elegeram o atleta do século. Dentre todos os esportes, o melhor. Vai demorar pelo menos 77 anos para sabermos quem será o próximo atleta do século. Há grandes chances de não ser único como é Pelé.

E ainda há brasileiro que crê que Pelé não foi tudo isso, que o Maradona foi o melhor. Nada contra o “hermano”, mas o 10 argentino não chega nem perto do brasileiro. Alguns acreditam que o Garrincha foi o melhor, mas o próprio “anjo de pernas tortas” afirmou que não. A molecada de hoje acredita que o Messi foi o melhor, ou o Cristiano Ronaldo, mas isso é uma questão geracional, alimentada pelo descaso natural com o qual encaramos nossa história.

Quando Pelé surgiu no final da década de 1950, época em que outros brasileiros também foram grandes campeões mundiais, o pugilista Eder Jofre e a tenista Maria Esther Bueno. Hoje poucos se lembram deles. São homenageados em datas específicas e nada mais.

Muito se tem falado sobre patriotismo, nesses últimos 4 anos. Cantar o hino nacional é ser “patriota”, ter uma bandeira em casa é ser “patriota”... Porém o descaso com a história do Brasil e de seus construtores, continua o mesmo. Acho que até se agravou. Ser patriota é também, e talvez principalmente, valorizar os grandes feitos dos brasileiros, seja qual for. O médico Carlos Chagas foi indicado duas vezes ao prêmio Nobel de medicina, em 1913 e 1921, mas não ganhou. Sabe por quê? Porque não teve apoio da classe médica brasileira. O próprio brasileiro sabotou o brasileiro. Marechal Rondon foi indicado duas vezes ao Nobel da Paz. Você já viu algum militar falando disso? Acho que nem sabem. Mais um ícone de nossa história que foi sabotado por seus pares. Nossos heróis da FEB - Força Expedicionária Brasileira - e da FAB – Força Aérea Brasileira – que arriscaram suas vidas na segunda guerra, alguns pereceram em campo de batalha... E quem lembra? Mal constam nos livros de história.

 Em 1990 os estadunidenses (a imprensa) fizeram uma pesquisa para saber quem eram as pessoas/marcas mais populares do mundo. Pelé ficou em terceiro, atrás do Papa João Paulo II e da Coca-Cola, e isso 13 anos depois de ter parado definitivamente de jogar futebol. Levando em consideração que a maior parte de sua carreira foi na era do rádio, o que esse ele fez, poucos fizeram, se é que tem outro semelhante.

Nesse país que desconsidera a própria história, aposentar a mítica camisa 10 é um erro. Os jogadores de hoje, e os de amanhã, que corram atrás da bola e façam por merecerem ser chamados de Dez, e lembrem-se sempre que o Rei foi o primeiro. Precisamos aprender a valorizar nossa história e a nós mesmos, brasileiros. O pontapé já foi dado há muito tempo, vida longa ao eterno Pelé.






10/12/2022

15/04/2022

Projeto "Somos"


A APCEF/SP (Associação de Pessoas da Caixa Econômica Federal de São Paulo) para comemorar seus 115 anos de existência, lançou no dia 08/04/22 a versão digital do livro “Somos”, e publicaram o meu texto. Para quem quiser a versão digital, é só fazer o download gratuito no link abaixo.

 Sobre o projeto:

“Este projeto nasceu de conversas, da ideia de eternizar o importante trabalho dos empregados da Caixa durante a pandemia. Assim nasceu o projeto “Somos”, um livro no qual os bancários contam como foi trabalhar no único banco público do País em um momento crucial da história do mundo. A pandemia mudou a forma de encarar o trabalho e trouxe muita coisa nova para o dia a dia no banco público. Mas o principal foi o que aconteceu com cada pessoa. O conjunto de acontecimentos traça o que significa este momento único na história da Caixa e da sociedade. ”






    Meu texto foi parcialmente publicado, devido ao limite de caracteres disponível. Mas é possível lê-lo na íntegra aqui abaixo:


Efeito dominó

 

Com certeza ninguém imaginou que um dia passaríamos por uma pandemia. Aliás, a palavra “pandemia” era algo esquecido no dicionário. Mesmo com históricos de epidemias anteriores, como a de gripe espanhola, praticamente há 100 anos atrás, ou a de varíola (1977), que o governo militar tentou esconder, viver algo semelhante estava fora de questão. O avanço da medicina somado ao número de fármacos e vacinas que temos disponíveis, nos dá a sensação de ter certa “segurança sanitária”. Mas depois do ano de 2020, com certeza essa “segurança” se mostrou muito frágil. 

No final do ano de 2019 começaram a pipocar notícias sobre um novo vírus que ataca nosso sistema respiratório, mas acho que pouca gente deu bola para isso. Virou o ano, as notícias sobre o micro-organismo aumentaram, a OMS - Organização Mundial de Saúde entrou em cena, mas, quem se importou? O pior é que o momento foi propício para que o futuro protagonista mundial, o coronavírus, se espalhasse: festas de final de ano, férias, carnaval, turismo a mil por hora. Vale lembrar que o ano de 2020 começou com o então presidente americano Donald Trump ordenando um bombardeio no Irã (Bagdá), que resultou na morte do general Qassem Soleimani... mau presságio? Com certeza!

Logo após o carnaval fui com minha namorada passar férias em Florianópolis/SC. Muita praia, sol, cerveja, porções e nada de pensar em vírus, lógico! Mas quando estávamos para voltar a SP, em meados do mês de março, as notícias sobre uma epidemia que se espalhava muito rápido, e mundialmente, começaram a ser constantes. Daí tudo mudou. Em São Paulo o governador já havia decretado o fechamento de centros culturais, museus, locais públicos e começou a se falar em “medidas restritivas”, fechar o comercio e um tal de lockdown. Em Santa Cataria, a mesma coisa: cidades fechando rodoviárias, praias interditadas, e o espanto da péssima novidade se misturava à insegurança com o futuro. O que poderia acontecer? Quando embarcamos no aeroporto, voltando para São Paulo, o clima era outro, todos os funcionários usavam máscara, que logo se tornaria item de uso obrigatório e indispensável. E o que se achava ser uma epidemia, virou a tal pandemia!

Chegamos na capital paulista e o impensável acontece: fecha-se todo o comércio, decreta-se medidas sanitárias obrigatórias e a preocupação toma conta de todos. Quando retorno ao trabalho no banco (agência Bernardino de Campos/SP) o horário é alterado, passando a funcionar das 08h às 14h, e pouco tempo depois reduziria o fechamento para as 13h. Coincidentemente o primeiro caso de morte por Covid-19 é registrado em SP: um homem de 62 anos que veio a óbito, num hospital que fica a poucos metros da agência. A doença chegou com força e já estava muito próxima.

O governo federal decretou alguns serviços como essenciais ao funcionamento da sociedade, dentre eles o serviço bancário. Na agência em que trabalho há dois caixas, eu e outra funcionária, que foi considerada do “grupo de risco” e teve que aderir ao trabalho remoto. Fiquei sozinho no atendimento de caixa, às vezes ajudado pelo tesoureiro. Em seguida foi implementado o “auxílio emergencial”, que fez as agências da CAIXA lotarem! Ou seja, não fiquei de quarentena, utilizava o transporte público para ir e vir, atendia dezenas de pessoas todos os dias, então ser contaminado seria questão de tempo. Agora, quanto tempo levaria, não havia como saber.

O número de contaminados começou a subir vertiginosamente e, consequentemente, o de mortos. E veio a primeira bomba: um ex-funcionário, que foi gerente PJ em nossa agência, morreu de Covid, aos 37 anos. Lázaro Falcirolli era jovem, casado, dois filhos, havia saído do banco a poucos mais de dois anos, para abrir sua própria empresa. Teve o sonho abreviado. Dias depois, outra bomba: um rapaz que trabalhava como motorista para a proprietária de uma das lotéricas que dávamos suporte, faleceu. Era o Eduardo, um rapaz de pouco mais de 40 anos, às vezes ia até agência, sempre simpático, aparentemente uma pessoa fisicamente forte, porém... O cerco parecia que cada vez mais se fechava: o cunhado do segurança falece; um amigo meu de bairro também se vai; outro amigo é internado e intubado; as notícias sobre internações são constantes. Hospitais de campanha foram improvisados em várias cidades, além da capital, tamanha foi a demanda por leitos. Cada vez mais pessoas eram diagnosticadas com Covid.

Os meses passam, o braço de ferro político-partidário é cada vez mais disputado e nós, meros mortais, ficamos no meio de um tiroteio ideológico raso e improdutivo. Enquanto a ciência mundial corria atrás de uma vacina, métodos paliativos ocupavam a pauta midiática diária da opinião pública, criando discussões inúteis. Nesse meio tempo toda minha família pegou a doença. Meus pais e dois irmãos. Senti muito medo, pois haviam casos de famílias dizimadas em poucos dias, após a infecção. Mas enfim tudo correu bem. Meu pai, de 75 anos, foi que mais teve sintomas. Fez o tratamento em casa, em poucos dias estava bem novamente. Minha namorada também pegou, de forma leve. Perdeu o paladar por alguns dias, depois voltou ao normal. E boa parte da pandemia ficamos sem nos ver, seguindo as restrições, o que não foi fácil. Escrevi até alguns poemas sobre, seguem dois deles:


I

 

Existe um lado meu

que só existe ao lado teu

e o distanciamento involuntário

fez dessa lado um solitário

 

Não há máscara que proteja

dessa obrigatória tristeza

Cativo, no limite da obediência

coexistir é uma dependência

  

II

 

Já perdi as contas

de quantos beijos vou te dar

esse déficit de amor

você há de me pagar

 

E vou te cobrar com juros

fazer juras e cenas

e quero receber em beijos

beijos desses de cinema

 

            Mas a pandemia não dava sinais de trégua.

Quem gosta de ler sobre história, seja ela sobre qualquer civilização que já povoou qualquer região do planeta, vai perceber que todas praticavam algum rito fúnebre. Cada uma a seu modo, de sambaquis a vasos funerários, passando por incinerações, mumificações, todas davam algum destino a seus finados. A pandemia nos privou disso. As prefeituras, pelo menos nos grandes centros urbanos, restringiram os velórios, muitas vezes partindo direto para o sepultamento. Algumas vigílias foram muito rápidas, com o mínimo de gente e com caixão lacrado. Covas foram abertas em série, para tornar o trabalho do coveiro mais dinâmico. Muitos se foram sem o tradicional ritual de despedida. Uma dor a mais para as famílias que perderam entes queridos. Perdi três parentes num espaço de três meses: um tio, uma tia e um primo… o que é mais triste, do mesmo núcleo familiar. Nenhum deles para o Covid, mas também não puderam ser velados. Com certeza vivemos a época mais tristes de nossas vidas, só sendo muito frio e indiferente para não perceber isso.

Mas enfim algo de bom acontece: desenvolve-se algumas vacinas, que começam a ser aplicadas na população, por escalas de idade. Foi um passo na direção certa, apesar de ainda vigorar o “cabo de guerra” ideológico entre os “vacinação já” e os “anti-vacina”. O curioso foi que a maioria dos políticos “anti-vacina” se vacinaram, junto com seus familiares. Pregavam para a população um procedimento denominado “tratamento precoce”, um kit com remédios ineficazes, mas entre eles a vacina foi a regra. Comprou a ideia do kit quem quis, informação não faltou.

Ainda longe de chegar a minha vez na fila, a empresa solicitou aos funcionários que fizessem o exame de sorologia para Covid-19, para verificar quem estava infectado com o vírus, quem esteve e produziu anticorpos e quem não teve contato, que foi o meu caso. Confesso que fiquei surpreso, depois de tanta gente próxima a mim ter pego, de atender inúmeros clientes na agência, de usar transporte público diariamente e de trabalhar numa região onde há dezenas de hospitais, sair ileso era uma questão de sorte... que não duraria muito tempo.

No começo do texto comentei que havia voltado de férias, e logo teria que marcar outra novamente, para não ter que sair de forma compulsória. No final de abril de 2021 saí de férias. O país tentava voltar a “normalidade”, se amparando em medidas sanitárias, vivendo o que foi chamado de “novo normal”, porém era só uma forma de tapar os olhos para a realidade, em meio a muita gente que não tinha outra opção a não ser voltar ao trabalho. O “auxílio” não resolvia a vida da maioria dos assistidos. O trabalho remoto, à distância, preservou muitos empregos. Dizem até que veio para ficar. Enfim, de férias no bolso, decidi ir para Ilha Grande/RJ. Fui sozinho.

Uma semana num lugar paradisíaco, onde a pandemia só existia em locais como mercado ou farmácia, porque o uso da máscara era obrigatório, no resto... Entre trilhas no mato, locais históricos e passeios de lancha, foram sete dias bem agradáveis.  Voltei para SP (7h de ônibus) e quando cheguei estava gripado, bem leve, nem associei ao Covid. Tomei um antigripal qualquer e fui para a casa da minha namorada, era a semana do seu aniversário. Fui no dia natalício, que caiu numa quinta-feira, e no sábado, em que foi feito um almoço de celebração, com pouquíssimos familiares. As recomendações era que se evitasse “aglomerações”, mas confesso que era (e é) muito difícil não juntar um mínimo de pessoas. Acredito que para a maioria foi assim. Nesse mesmo dia, à noite, viajei para Ubatuba, litoral norte de SP. Já havia alugado uma casa, junto com meus dois irmãos, que estavam lá desde sexta-feira.

Cheguei lá quase no domingo (5h de ônibus), meu irmão, junto com a namorada, me apanhou na rodoviária. No domingo, céu limpo, sol brilhando, nada mais lógico do que encher o isopor e ir à praia, aproveitar. Na madrugada de segunda-feira acordo com uma dor de cabeça que nunca havia sentido. Parecia que minha cabeça iria explodir. Engulo alguns comprimidos, coloco gelo numa sacolinha plástica e levo à testa, tentado amenizar o sofrimento. Passo a madrugada tirando curtos cochilos no sofá, até amanhecer. No desjejum, mal consigo terminar o copo de leite com café. Tento comer algo, mas não desce. Passo o dia me sentindo mal, a tosse aparece ainda leve e considero a possibilidade de estar com Covid. Só vi um hospital na cidade e estava cheio. Pelo site do plano de saúde, procuro algum local onde eu poderia ser atendido, mas o mais próximo ficava na cidade vizinha. Decido voltar para a capital, o que se mostrou o certo a ser feito.

Compro a passagem para as 9h da manhã, chego à tarde, passo em casa, banho e troca de roupas, vou ao hospital. Devido aos meus sintomas (a tosse piora), sou encaminhado para uma ala que é só para Covid. O curioso é que em pouco tempo, nem meia hora de espera, a quantidade de pessoas que chegaram foi impressionante. Sou atendido, faço o teste das hastes, exame de sangue e uma radiografia do tórax. O exame que detecta o vírus demorava até 48h para ficar pronto. Enquanto eu esperava para ser chamado pelo médico, ao meu lado havia um rapaz explicando para a esposa e o filho que teria que ficar internado, pois a doença já havia atingido 25% de seu pulmão e, por ter um problema na perna, corria sério risco de ter uma trombose. Fiquei apreensivo, ¼ de pulmão infectado, caramba! Chega a minha vez e observando minha radiografia o médico prefere me afastar do trabalho por 11 dias, passa uma receita para o início imediato do tratamento, em casa. Pouco mais de 24h depois o exame das hastes confirma: 19/05/2021 - “NOVO CORONAVIRUS 2019 (SARS-COV-2), DETECÇÃO POR PCR”.

Trancado em casa (moro sozinho), familiares, namorada, trabalho e amigos avisados, fico em isolamento total. Por recomendação de um amigo, compro via internet um oxímetro, um aparelho minúsculo que você põe na ponta do dedo indicador, para medir a saturação, o nível de oxigênio no sangue. Esse aparelho foi fundamental. Três dias se passaram e eu pioro muito. Tomar banho era um sacrifício, não parava de tossir um segundo. Ficava a maior parte do tempo deitado, sem sentir fome. Numa manhã fui medir a saturação, marcou 85. A recomendação era de que se baixasse para menos de 90, teria que voltar ao hospital. Esperei mais algumas horas, medi novamente e nada de subir.  Avisei a todos, chamei um motorista de aplicativo, voltei ao hospital.

            Foi complicado chegar lá, mal conseguia falar sem tossir. Foram feitos novos exames, outro de sangue e uma tomografia. A médica me chama e dá a pior notícia que já recebi até hoje: seu pulmão foi comprometido em 50% pela doença, vou ter que interná-lo direto na UTI. Fique sem reação…  Respondi “ok”, avisei meus familiares, que rumaram na hora para o hospital. Minha namorada entrou em desespero. A partir desse momento, aonde eu fosse conduzido, iria de cadeira de rodas. Era domingo, começo de tarde, que pareceu ser bem longo.

            Fiquei internado num grande hospital, na Av Paulista. Se não me engano haviam 8 UTIs, cada uma com capacidade para 10 a 15 pacientes, todas estavam lotadas. Algumas foram montadas às pressas, devido à demanda, segundo funcionários me relataram. E tudo isso era só para doentes de Covid.  Fiquei numa ala que era uma espécie de “triagem”, esperando vagar um leito na unidade intensiva. Devo ter ficado umas 3h esperando, nesse meio tempo minha mãe e irmão chegam. É difícil olhar para a mãe num momento desses, que visivelmente estava abalada, até mais do que eu, que poderia ter morrido.  Minha namorada só me relatava que estava em prantos. Amigos a todo minuto enviavam mensagens pelo celular. Na hora de ir para a UTI, foi mais difícil, porque minha mãe só poderia me acompanhar até determinado ponto. Choros a parte, um momento desses, de separação, só Freud explica.

            Fico numa ala improvisada, com mais 9 pacientes, todos separados por “cortinas” (ou algo do tipo). Parece um tanto precário eu relatando assim, mas era tudo extremamente bem equipado, com enfermeiros e médicos a todo momento. O primeiro médico vem me “recepcionar”, fala sobre meu estado, o que poderia acontecer, mas me tranquiliza porque, apesar da doença ter se espalhado muito, o quadro era instável e provavelmente de reversão.  Apesar do susto, tudo caminhava bem. Como eu estava consciente, permitiram que eu ficasse com o celular, o que foi muito bom, porque o tempo passou mais rápido. Na linha do “há males que vem para o bem”, nesse meio tempo falei com amigos que não conversávamos há mais de anos. Um reencontro “por motivos de força maior” que foi benéfico. Na segunda-feira à tarde retiraram o meu cateter nasal, pois minha saturação permanecia acima de 95. O médico da noite me disse que eu era o “melhorzinho” daquela ala. Realmente era verdade: nos dois dias que fiquei nessa UTI, não vi ninguém acordado. Como eu ia ao banheiro andando, tive como observar o entorno. E, sinceramente, é triste demais ver várias pessoas desacordadas, deitadas sobre as camas, esperando por melhoras. Espero que tenham conseguido se recuperar. Na terça-feira pela manhã, já com o quadro de saúde bem melhor, sou removido para um “quarto normal”. Era hora de abrir espaço para outro.

            Vou para o quarto, todos ficam aliviados. Passo o dia lendo, revezando o livro com a tevê. Na conversa com os funcionários, todos, dos faxineiros aos médicos, tiveram Covid. Alguns relataram sequelas, dos mais variados tipos: dores musculares, perda de memória, fraqueza, queda de cabelo (?!)… e a médica que me acompanhou nesse estágio da minha internação falou sobre as possibilidades que eu ainda poderia enfrentar.  Fico mais três dias internado, recebo alta na sexta-feira as 12h. Em poucos mais de 10 dias fui do 0 aos 50% do pulmão infectado, e voltei a quase zero. Que belo susto, regado a uma enxurrada de remédios! Doses intravenosas, injeções na barriga, capsulas, xaropes, de tudo um pouco.

            O pós-doença também é bem complicado. Fisioterapia muscular, muitos remédios para o sistema respiratório, efeitos colaterais, e mais alguns dias de molho. Uma semana depois de sair do hospital eu já estava de volta ao trabalho. Fui recuperando a velha forma aos poucos, tudo correu bem. Mas as notícias de novas perdas não paravam. Um tio, um primo do meu pai, um vizinho que vi crescer e aos 39 anos, sem comorbidades, todos foram levados pelo Covid. Aliás, essa estória de que as pessoas com comorbidade correm maior perigo é balela. Essa doença não tem padrão, todos estão em sua alça de mira. E por ser uma doença nova, ninguém sabe ainda o que pode nos reservar no futuro. Enfim, descobrimos o que é uma pandemia da pior forma: vivendo-a. Aos que sobreviveram, vacinem-se, lavem as mãos, abracem as pessoas queridas e cuidem-se.


SP/SP – 24/11/2021

André Braga

@ABPoeta


29/08/2021

Caminhos...




 

O agro é pop




 

Espelho meu




 

Frio capital

 




A Fada de rodinhas


Desigualdade e miséria
brasileiro sabe como é…
Mas com asas nas costas
e um skate no pé
a criança encantada
no olimpo e seus louros
virou fada
ganhou prata
com peso de ouro


Rayssa Leal (13 anos), a "Fadinha", medalha de prata
no skate street, nas olimpíadas do Japão.




23/04/2021

À Djvan (B3 podcast)


Uma brincadeira feita com base em uma piada feita durante o podcast B3 (Benja, Barcinski, Bôscoli) sobre "grandes letristas". O convidado foi o Marcelo Tas.



Ralando a cenoura

ralo a cenoura
ralo o nabo
escorre pelo ralo
lágrima de cebola

sem acerola
sem a ceroula

minha senhora cenoura

repolho, sal
água
ferve a solidão


@ABPoeta








31/03/2021

Marche, marche do “Vô mito!”


Você vai na passeata no domingo?

Vô mito! Vô mito! (tá óquei!)

De verde e amarelo, que boi lindo!

Vô mito! Vô mito!


Terra planista, monarquista, tantos bobocas

todos com a mamadeira de piroca

fazendo “marche, marche” para o capitão

todos “do bem” com a camisa da seleção


Você vai na passeata no domingo?

Vô mito! Vô mito! (tá óquei!)

De verde e amarelo, que boi lindo!

Vô mito! Vô mito!


É tudo mentira da extrema imprensa

ninguém morreu, é a mais pura invenção

Não quero a “vachina”, me dá a cloroquina

o mito receitou, não vei ter erro não


Você vai na carreata no domingo?

Vô mito! Vô mito! (tá óquei!)

De verde e amarelo, que boi lindo!

Vô mito! Vô mito!


Na carreta contra a quarentena

a “playboyzada”, ninguém desce do carrão

“É só uma gripezinha, mas vai que dá problema”

põe a máscara na cara e carrega o cu na mão


Você vai na carreata no domingo?

Vô mito! Vô mito! (tá óquei!)

De verde e amarelo, que boi lindo!

Vô mito! Vô mito!


Quem já morreu foi porque o destino quis

em nome de jesus, faz “arminha com uma mão”

Quem está vivo, isso a globo não diz

em frente ao hospital, buzina com a outra mão


Você vai na passeata no domingo?

Vô mito, vô mito...




13/09/2020

O general de pijamas


As estrelas sobre o ombro

não nos servem de nada

Atrás de sua imensa mesa

é só mais um burocrata


Nunca combateu em guerra

nem foi em missão de paz

As medalhas que carrega

não representam nada demais


Os generais em seus pijamas

uma tropa de sanguessugas

se esbaldam no dinheiro do povo

que é quem trabalha e não foge à luta





08/09/2020

Filho da pátria


No dia da independência

se enaltece a dependência

Por que tamanha discrepância

de sua excelentíssima excrescência?

 

O calhorda que ocupa a presidência

politica em subserviência

aos EUA, e lhe presta continência

mero cãozinho em obediência

 

Otária gente brasileira

por onde vá, em temor servil

essa pátria nunca estará livre

há quem goste de morrer pelo covil






31/05/2020

No alvo


O tiro bento no rito sacro
o pagão alvejado, aleluia!
A pistola do senhor não erra
a munição divina não falha

Cada vez mais secular
a religião refaz sua liturgia
baseada em valores mundanos
para que o pastor continue
pastorando as ovelhas
que só servem para dar lã


Cena patética...




11/05/2020

Receita de um país na brasa



  • Pegue a carne de um povo bovino (geralmente é bem barata);
  • Deixe de molho em séculos de descaso, falta de planejamento e má educação;
  • Adicione uma sequência de governos pífios que legislaram em causa própria;
  • Separe a carne em partes, de forma que uma sempre acredite ter mais “razão” do que a outra;
  • Reforce com condimentos aplicados de maneira diversa, para manter a textura desigual;
  • Coloque um pouco de molho de pimenta vermelha;
  • Por conta da laicidade natural, adicione religião de forma desmedida;
  • Retire a ciência;
  • Adicione idolatria às figuras espúrias e culto à ignorância;
  • Besunte com comodismo e desconexão com a realidade;
  • Invente verdades e salpique a gosto;
  • Enrole-a em revoluções e ditaduras;
  • Mantenha sempre a carne à beira do caos;
  • Em caso de pandemia, mais desinformação deve ser adicionada;
  • E por fim é bom a carne já ir ao fogo.

Enquanto a carne assa sobre a brasa, dar uma volta de jet-ski é recomendada. Cuidado para não cair.


Quadro "Primeira Missa no Brasil", de Victor Meirelles (1832 - 1903)




08/05/2020

Sobre mães e paladares



  Mais um dia das mães se aproxima e a programação geralmente é a mesma (para quem pode): ir almoçar na casa da mãe. Relembrar o gostinho da comida da mamãe é sempre bom. Algumas vezes (também para quem ainda pode) essa reunião familiar acontece na casa a vovó, que segundo o dito popular, é mãe duas vezes, porque cria os filhos e depois os netos. E esse encontro de gerações, torna a refeição duas vezes mais saborosa.

 Os pais educam (ou educavam) os filhos de muitas maneiras: ajudam com o dever acadêmico, moldam o caráter no sentido moral, ensinamentos mais peculiares como o musical, trabalhos manuais e artísticos, e formam também o paladar. Há pais que também cozinham, mas no geral são as mães que botam a mão na massa. Principalmente da minha geração, em que um saía para ganhar o pão e outro cuidava do lar.

  Como cresci comendo (e muito) também nas casas dos meus avós, há sabores que aprendi a gostar, como o feijão da minha avó materna e a “marmota” que minha avó paterna fazia. Eu achava tão gostoso o feijão da minha avó materna que comia até os pedaços de cebola, coisa que eu não fazia em casa. Sempre fui chato pra feijão, inclusive. A “marmota” que minha avó paterna fazia era uma delícia! “Marmota” é um bolinho de polvilho doce, em forma de laço, que era frito e depois passado no açúcar ou canela, e era uma festa porque geralmente quando minha avó fazia, estamos vários primos reunidos. Bagunça geral! Minhas avós já se foram e levaram junto esse meu paladar. Já comi muito feijão bem feito, temperadinho e tal, inclusive o da minha mãe, mas um de mastigar a cebola, com gosto, esse se foi. A “marmota”, minhas tias fazem, minha mãe faz, mas... Falta algum toque diferente, um tempo a mais na fritura, um descanso a menos da massa... Não sei o que é, mas se foi também.

 Já a minha mãe faz pratos que considero especiais e que nunca comi melhor por aí: panquecas, almondegas, bolinho de bacalhau e torta de carne (ou frango) são imbatíveis. Uma vez, numa empresa em que trabalhava, fizeram uma vaquinha para comprar os ingredientes da torta de carne e pediram para minha mãe fazer. Ela atendeu o pedido, claro. Na sexta-feira santa, bolinho de bacalhau é imprescindível. Muitas vezes como só o bolinho, e vários! Ela também é muito boa com bolos. Em aniversários ou na hora do café da tarde, sempre há um belo bolo sobre a mesa. Claro que há muita memória afetiva em tudo isso, mas cozinhar também é uma forma de ser carinhoso. E carinho é bom, não é? Carinho enche barriga.

 No começo da minha adolescência o paladar se ampliou: as redes de fast food começaram a fazer parte da vida. Ir ao shopping e comer no McDonald's passou ser o programa principal. Isso no final dos anos 1980, decorrer dos 90. Hoje essas lanchonetes, essas bandeiras de grife, se multiplicaram: do Burger King ao Outback, passando pelo Habib's, Giraffas... Isso sem falar na trash food, os “dogão”, churrasquinho grego, uma “sub-rede” de lanches que, sinceramente, acho até mais gostosa. Tem de tudo um prato, de tudo um preço, para todos os gostos.

 A vida, as obrigações e tecnologia avançaram, o sistema de delivery se aperfeiçoou e vieram os aplicativos, como o Ifood. Somando essa facilidade de pedir comida, com a falta de tempo, cozinhar ficou cada vez mais “trabalhoso”. Sair cedo de casa, trabalhar, estudar, levar filho para a escola, buscar filho no curso (natação, balé...), afazeres do lar e ainda ter que cozinhar? Nem pensar. Com a maioria das pessoas afogadas em rotinas, essas redes de fast food começaram chegar mais cedo à boca das crianças. Isso sem falar em uma série de guloseimas industrializadas. Imagine o quanto isso uniformiza o paladar. Teremos gerações futuras com o paladar formado pela indústria alimentícia e, talvez, elas se “reeduquem” quando adultas. Deve ser triste não ter um carinho gustativo para lembrar.

 Claro que também utilizo os aplicativos para pedir comida, e tem muita coisa gostosa para comer. Mas igual à de casa, da mãe, não tem concorrente que supra o sabor, que vai além da mera degustação. O mais curioso é que existem restaurantes que oferecem a seus clientes a tal “comida caseira”. Só não fornecem a lembrança junto, porque a comida feita em casa leva um tempero que só existe na nossa memória. Está lá gravado, não se cozinha isso. Inclusive no dia das mães vou até a casa dos meus pais para almoçar, não só uma bela refeição, mas também alguma lembrança bem boa. E irei em outras datas porque haverá um dia em que a sexta-feira santa não terá o mesmo sabor. Bom apetite a todos.


AB